Tratando-se do aquecimento anómalo das águas superficiais do sector centro-leste do Oceano Pacífico, predominantemente na sua faixa equatorial, o El-Niño é um fenómeno de interacção oceano-atmosfera que afecta o clima regional e global, bem como a circulação geral da atmosfera. Por esse motivo, é responsável por anos de secas severas, mas também de chuvas intensas, dependendo da região do globo.
Durante um ano considerado normal, ou seja, sem a existência do fenómeno El-Niño, os ventos alíseos (ou seja, os ventos de Leste) "empurram" as águas do Pacífico equatorial em direcção a Oeste, originando um excesso de água nas costa leste da Ásia e Austrália. Isto provocando a ressurgência de águas profundas, mais frias e carregadas de nutrientes na costa ocidental da América do Sul (Peru/Chile), alimentando os ecossistemas marinhos, muito benéfico para as pescas e economia da região.
No entanto, quando acontece um El-Niño, que ocorre irregularmente em intervalos de 2 a 7 anos, os ventos alíseos tornam-se menos intensos ou mudam a sua direcção em todo o sector central do Oceano Pacífico, resultando numa diminuição da ressurgência de águas profundas e na acumulação de água mais quente que o normal na costa oeste da América do Sul, diminuindo a produção de pescado. Com isto, dá-se uma alteração do clima em todo o Pacífico Equatorial: as massas de ar quentes e húmidas que acompanham a água mais quente, potenciam a ocorrência de precipitação acima do normal na costa oeste da América do Sul e períodos de secas intensas na Indonésia e Austrália.
Em diversos estudos é admitido que este fenómeno é acompanhado pelo deslocamento de massas de ar pelo globo, provocando alterações do clima em todo o mundo. Por exemplo, durante um ano de El-Niño, o inverno é tipicamente mais quente nos estados centrais dos EUA, enquanto que nos estados do sul há mais chuva.
Períodos de secas intensas no Continente Africano estão igualmente relacionadas com o aparecimento do fenómeno El-Niño, daí a sua importância nas províncias do Cunene, Huíla e Namibe.
O fenómeno é analisado recorrendo a diversos índices que se baseiam nas anomalias de temperatura da água do oceano numa determinada região do Pacífico Equatorial. Essa região é, tipicamente, a região Nino3.4, apresentada na imagem em baixo (Fig. 1):
Fig.1: Região Nino3.4. Fonte: ECMWF
De acordo com as mais recentes informações disponibilizadas pelas entidades que monitorizam este fenómeno, é espectável que o El-Niño, formalmente estabelecido em maio 2023, aumente a sua intensidade durante os próximos meses, atingindo o seu máximo durante o período de verão (2023-2024) do Hemisfério Sul. As actuais previsões apontam, com uma elevada probabilidade, que este El-Niño possa atingir um valor do índice Nino3.4 igual ou superior a 1.5ºC, o que poderá colocar este evento no topo dos mais intensos desde 1950.
Fig.2: Observações e ensemble de previsões das anomalias de temperatura da água do mar na região Nino3.4 para os próximos meses. Fonte: UK MetOffice
De modo a compreender quais os impactos do El-Niño no sul de África, teremos de olhar para o passado. Recorrendo aos dados de reanálise do ERA5, verificamos quais os padrões de anomalia de precipitação e temperatura correspondentes aos meses de forte El-Niño e aos meses considerados normais (só na época das chuvas). Meses com forte El-Niño (Nino3.4 > 1.0) tendem a registar valores negativos de anomalias de precipitação e valores positivos de anomalia de temperatura em grande parte do sul de África, prejudicando bastante a agricultura da região. Em Angola, o impacto da precipitação não é tão óbvio, existindo regiões mais afretadas por ausência de precipitação no sul e excesso de pluviosidade no norte. No campo da temperatura, partes da região sul apresentam valores superiores ao normal. Em condições normais, os valores de anomalia de precipitação e temperatura (tanto positivo como negativo) não são tão elevados (Fig.3 e 4, inferior), pelo que se compreende que o fenómeno El-Niño actua de forma a intensificar situações de seca ou inundações, dependendo da região do país (Fig.3 e 4, superior).
Espera-se, por isso, que durante a época das chuvas 2023/24, devido à previsão de intensificação do fenómeno El-Niño, ocorra uma redução da precipitação e aumento da temperatura nas regiões do sul de África, que poderão englobar determinadas regiões do sul de Angola, como as províncias do Cunene, Huíla e Namibe.
Fig.3: Compósitos de anomalia normalizada de precipitação na estação das chuvas (Novembro a Março) no sul de África, relativamente à normal 1981-2010, em situação de El-Niño forte (Nino3.4 > 1.0) e em condições normais ( -0.5 < Nino3.4 < 0.5). Fonte: reanálise ERA5/C3S/IPMA/INAMET
Fig.4: Compósitos de anomalia de temperatura na estação das chuvas (Novembro a Março) no sul de África, relativamente à normal 1981-2010, em situação de El-Niño forte (Nino3.4 > 1.0) e em condições normais ( -0.5 < Nino3.4 < 0.5). Fonte: reanálise ERA5/C3S/IPMA/INAMET
Produzido por: Carlos Pereira (IPMA), Maura Lousada (IPMA), José Godinho (IPMA), Nelsons Vasco (INAMET), Rui Cavaleiro (IPMA)